Em um dia qualquer, como cabe às boas epifanias, subitamente o título (e a letra como um todo) fez sentido.
"Vamos gastar o tempo/Perseguindo carros/Em nossas cabeças". A tradução não-linguística pareceu me dizer: Vamos ficar aqui, sem nos preocupar com tempo-hora-lógica, criando nossa própria cronologia sentimental, nosso próprio tempo-emoção. Vamos apenas "lay here/and just forget the world".
Senti, na falta de uma palavra melhor que defina um sentimento próximo a este, inveja daquele contexto, do deixar-se largar em um corpo alheio, cheio de cumplicidade, silêncio e intensidade descrito pela letra. Percebi que a canção falava da criação de um mundo, em que o eu-lírico e a pessoa amada inventavam um novo compasso para as medidas e comprimentos que limitam e definem nossas existências.
Como tudo que é subjetivo, no entanto, há uma leitura distinta, um contraponto quase paradoxal...
Perseguir carros pode, também, significar uma procura contínua e infrutífera.
Pode significar uma inquietude consciente, que tem nessas perseguições aparentemente sem sentido uma desculpa pra se manter buscando o inatingível, o que é apenas sonho, ilusão. Olhando dessa forma, o "chaser" sabe, e até anseia por isso, que se colocará diante de desafios cujo sucesso é improvável, seja pela velocidade dos carros, seja pela distância em que eles já se encontram. Como o fazem os cães...
E, diante dessa constatação, surge um novo paradoxo: não é visível o prazer, a excitação dos cães, quando os observamos perseguindo carros?