A princípio, me pareceu um tanto desfocada, as cores desmaiadas, com a tinta de muito tempo.
Foi, no entanto, ficando mais nítida.
Havia nela um parque, ou algum lugar arborizado com cara de infância, paz ou velhice.
Havia um banco, desses de praça. Nele, dois sujeitos. Curvados, gastos.
Um alimentava pombos, tentava falar com eles, fazia sons que os imitavam.
O outro sorria, ria, gargalhava. Tentava imitar os pombos. Não conseguia. Gargalhada do outro.
Vestiam roupas sóbrias, quase escuras, em um fim de tarde ameno, perto do inverno.
Curvos e gastos que eram, pareciam, no entanto, fortes, felizes.
O inverno era iminente, eles sabiam. Mas não temiam. Estavam agasalhados, protegidos, seguros.
Tinham uma taça de vinho na mão. Pareciam prestes a brindar algo importante.
A foto se mexe. Foto estranha. Foto cinética.
E eles brindam. E se olham. E tudo estava dito.
Na verdade, nunca vi essa foto.
Mas tenho certeza de que serei parte dela um dia...